O Banco Central manteve nesta quarta-feira a Selic na mínima histórica de 2% ao ano, conforme ampla expectativa do mercado e, apesar de reconhecer uma pressão inflacionária mais forte no curto prazo, manteve sua mensagem de orientação futura (forward guidance) e a porta aberta para eventual corte nos juros básicos à frente.
Parte dos agentes de mercado esperava um endurecimento na postura da autarquia após a escalada dos temores fiscais desde a última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em 16 e 17 de setembro. O BC, contudo, não fez nenhuma menção mais concreta ao tema.
O Banco Central também frisou que as projeções e expectativas de inflação seguem “significativamente” abaixo da meta para o horizonte relevante.
No seu comunicado, o BC repetiu a avaliação de que a conjuntura econômica continua a prescrever estímulo monetário extraordinariamente elevado, mas que “devido a questões prudenciais e de estabilidade financeira, o espaço remanescente para utilização da política monetária, se houver, deve ser pequeno”.
Por outro lado, o BC excluiu da sua comunicação frase que vinha logo a seguir, quando explicitava que novas reduções na Selic ocorreriam com “gradualismo adicional”, dependendo tanto da percepção sobre a trajetória das contas públicas, como sobre a inflação prospectiva.
A mensagem do BC sobre o ‘forward guidance’ para a política monetária não sofreu alteração relevante.
Desde agosto, o BC vem explicitando que não pretende elevar a Selic a menos que as projeções e expectativas de inflação fiquem suficientemente próximas da meta. Para que essa orientação siga de pé, o Copom afirma que é necessário que o regime fiscal seja também mantido, numa referência indireta à regra do teto de gastos.
Nesta quarta-feira, o BC afirmou que essas condições seguem satisfeitas e que considera adequado o atual nível de estímulo monetário que vem sendo produzido pela manutenção da Selic no nível atual e pelo forward guidance.
“As expectativas de inflação, assim como as projeções de inflação de seu cenário básico, encontram-se significativamente abaixo da meta de inflação para o horizonte relevante de política monetária; o regime fiscal não foi alterado; e as expectativas de inflação de longo prazo permanecem ancoradas”, frisou.
Em pesquisa Reuters, todos os 31 economistas haviam previsto que o Copom manteria a taxa Selic em 2% pela segunda reunião consecutiva, após uma trajetória de flexibilização iniciada no ano passado, antes mesmo do choque provocado pelo surto de Covid-19.
As atenções dos agentes se voltavam para qual sinal seria passado pela autoridade monetária após as preocupações com a trajetória das contas públicas terem crescido expressivamente, na esteira da indefinição do governo sobre a criação e financiamento de um novo programa de transferência de renda em 2021 após o fim do auxílio emergencial em dezembro.
Desde a última reunião do Copom, o comportamento da inflação também levantou temores de uma alta mais disseminada dos preços.
“A maior surpresa do comunicado foi ele (BC) ter mantido a visão muito similar à que tinha em setembro, mesmo com mudanças, na minha visão, bastante significativas na conjuntura econômica”, disse o economista da Eleven Financial Research Thomaz Sarquis.
Sarquis espera que a Selic fique novamente inalterada na próxima e última reunião do Copom no ano, em 8 e 9 de dezembro, “mas com uma abordagem um pouco mais conservadora diante dos riscos inflacionários”.
Para o economista-chefe da Guide Investimentos, João Maurício Rosal, o que surpreendeu no comunicado foi que o forward guidance seguiu praticamente inalterado.
“O mercado esperava certos ajustes quanto a esses determinantes que pudessem sinalizar, pelo menos, fechar a porta para cortes adicionais”, pontuou.
O economista-chefe do Fator, José Francisco Gonçalves, avaliou, em nota, que enquanto a inflação esperada estiver ancorada, o sinal do Copom não muda.
“Ao longo dos últimos dias a curva de juros perdeu inclinação, tanto pela alta dos mais curtos, quanto pela queda dos mais longos. Claro sinal de expectativa de alta da Selic e consolidação do cenário fiscal antevisto hoje”, escreveu.
“O mercado deve reagir com mais inclinação da curva, embora o comportamento do câmbio seja decisivo amanhã”, acrescentou Gonçalves.
SURPRESAS INFLACIONÁRIAS
Em relação ao avanço de preços na economia, o BC afirmou agora que as medidas de inflação subjacente (núcleos de inflação) estão em níveis compatíveis com o cumprimento da meta no horizonte relevante para a política monetária, que inclui os anos de 2021 e 2022, e não mais abaixo desses patamares.
Em outra frente, o BC reconheceu surpresas inflacionárias.
“As últimas leituras de inflação foram acima do esperado, e o Comitê elevou sua projeção para os meses restantes de 2020. Contribuem para essa revisão a continuidade da alta nos preços dos alimentos e de bens industriais, consequência da depreciação persistente do real, da elevação de preço das commodities e dos programas de transferência de renda”, disse o BC.
“Apesar da pressão inflacionária mais forte no curto prazo, o Comitê mantém o diagnóstico de que esse choque é temporário, mas monitora sua evolução com atenção”, completou.
Até então, o BC vinha reiterando tranquilidade com relação ao IPCA apesar de admitir que haveria pressão no curto prazo por fatores como elevação em alimentos e reversão da queda nos preços de serviços, embalada pelo aumento nos índices de mobilidade.
O IPCA-15, considerado uma prévia da inflação oficial, subiu 0,94% em outubro, maior salto para o mês desde 1995, acumulando em 12 meses avanço de 3,52%.
O BC atualizou seus cálculos para a inflação a um IPCA de 3,1% em 2020, 3,1% em 2021 e 3,3% em 2022, abaixo portanto das metas de 4%, 3,75% e 3,5%, respectivamente, sempre com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos.
As projeções consideraram, pela primeira vez, o novo cenário básico da autarquia, com taxa Selic da pesquisa Focus e taxa de câmbio seguindo trajetória de acordo com a teoria da paridade do poder de compra (PPC). No fim de setembro, o BC havia adiantado em seu Relatório Trimestral de Inflação que passaria a considerar essas premissas.
Em comparação, economistas ouvidos no mais recente boletim Focus previram inflação de 2,99% este ano, 3,10% no próximo e 3,5% em 2022. (Reuters)