O governo de Jair Bolsonaro alertou o Reino Unido que poderá denunciá-lo na Organização Mundial do Comércio (OMC) por discriminação em razão de seu plano de obrigar a cadeia de suprimento a fazer due dilligence nas importações de commodities.
O Reino Unido encerrou nesta segunda-feira uma consulta pública para decidir se de fato fará um projeto de lei para tornar ilegal para grandes empresas o uso de commodities que apresentam “risco florestal” — ou seja, que não tenham sido produzidas de acordo com as leis locais.
Se aprovado, o projeto obrigará as companhias a fazerem a rastreabilidade dos produtos para comprovar que não vieram de áreas desmatadas ilegalmente. Nesse cenário, quem não fizer a due dilligence ficará sujeito a multas.
O governo britânico pediu ao Brasil para participar da consulta. A resposta veio com um documento preparado pelos ministérios do Meio Ambiente, da Agricultura e das Relações Exteriores, conforme o apurou o Valor.
Para o governo brasileiro, no estágio atual a proposta britânica não esclarece as ações que os importadores deverão executar para atender às exigências de due dilligence nem os critérios para definir quais as commodities que apresentam risco elevado de causar desmatamento.
Em todo caso, a ameaça é clara: “O governo brasileiro reserva-se o direito de questionar nos foros apropriados a lei que for aprovada em função de sua eventual não compatibilidade com as normas da OMC”, diz o documento brasileiro.
O governo Bolsonaro manifesta “preocupação” com vários aspectos da proposta colocada em consulta pelo gabinete de Boris Johnson. A proposta cita como exemplo sete commodities cuja rápida expansão é associada a desmatamento, frequentemente em choque com leis locais: carne bovina, couro, soja, celulose e papel, borracha e óleo de palma.
No entanto, o governo brasileiro suspeita que a abrangência poderá ser muito maior. “Partindo do pressuposto de que o desmatamento ilegal pode em principio voltar-se à produção de qualquer commodity, o projeto de lei teria o potencial de abranger todas as commodities existentes”, reclama o Brasil.
Brasília também considera que o projeto de lei “abrangeria qualquer produto industrial que em qualquer estágio de sua produção ou de sua cadeia de produção utilizasse qualquer commodity existente”.
Para o governo brasileiro, a proposta do Reino Unido “parece denotar um viés discriminatório contra os países tropicais”. Ao mesmo tempo, porém, o documento diz que uma eventual nova lei deverá ser aplicada de forma isonômica a todos os países do planeta. “Isso incluiria o próprio Reino Unido. Abrangeria, para não ser discriminatória, os produtores e empresas em atuação no Reino Unido”, reforça a posição brasileira.
Para Brasília, outro exemplo de discriminação é que as obrigações de due dilligence seriam impostas a somente um grupo de empresas importadoras e excluiria outras, com base em critérios não informados.
O governo Bolsonaro se queixa também que a iniciativa britânica “seria altamente onerosa”. O cumprimento da futura nova legislação deveria ser verificado em todos e cada um dos estabelecimentos produtores, já que dois estabelecimentos, ainda que pertencentes à mesma empresa, podem ter desempenhos distintos na aplicação da legislação.
“Tendo em vista que estão abrangidos os produtos industriais que utilizam commodities como insumo, deveriam ser objetivo de diligência devida também todos os estabelecimentos de produtores que fornecem insumos, ainda que não sejam habilitados a exportar sua produção”, avalia o texto brasileiro.
Os custo da due dilligence “recairiam potencialmente sobre uma vasta maioria dos estabelecimentos do agronegócio em todos os países do mundo”, com efeitos “deletérios sobre o comércio com o Reino Unido de forma geral”.
O documento de Brasília questiona a própria consistência como política ambiental da iniciativa britânica. Alega que a associação entre commodities e desmatamento “desconsidera outros indicadores relevantes para avaliar a sustentabilidade das cadeias produtivas dos produtos agropecuários, como a geração de carbono ao longo da produção”.
Curiosamente, o governo Bolsonaro reclama que a proposta britânica falha também em não considerar outras medidas recomendadas pela “Global Resources Initiative”, como a construção de parcerias multilaterais para ações coletivas entre países produtores e consumidores. Ou a mobilização de fundos públicos e privados para apoiar a produção e o comércio sustentáveis de alimentos e produtos agrícolas.
O governo de Jair Bolsonaro alega, também, que o Brasil já impõe a seus produtores rurais exigências que não encontram paridade na maioria dos países, como um mínimo de cobertura vegetal em 80% em propriedades localizadas no bioma da Amazônia.
“Os países com regulamentos domésticos menos rigorosos teriam maior facilidade para cumprir os requisitos de diligência devida demandados das empresas importadores e contariam com vantagens competitivas, em detrimento daqueles que tivessem investido na elevação de seus padrões de proteção”, diz o documento brasileiro. O Reino Unido, após a consulta pública, agora vai definir o projeto de lei. A União Europeia atua no mesmo sentido de impor cobranças aos importadores nas compras de commodities, para evitar o avanço do desmatamento em países produtores. (Valor Econômico)