A Marfrig colocará em prática a partir de outubro mais uma iniciativa para garantir a sustentabilidade dentro da cadeia produtiva de carne bovina. Desta vez, a ideia é estender o monitoramento ambiental a todas as fazendas pecuárias ligadas direta ou indiretamente ao fornecimento de gado para a companhia. Ao detectar a origem dos animais desde o seu nascimento, a Marfrig tenta evitar, na ponta final, a aquisição de bovinos que tenham passado, em alguma etapa da vida, por áreas de conservação ambiental, desmatadas ilegalmente, embargadas pelo Ibama ou que usem trabalho análogo à escravidão – práticas proibidas por lei.
A nova ferramenta está inserida no plano Verde Mais, que foi lançado em julho pela Marfrig, e se chama “Mapa de Mitigação de Riscos”, conta ao Broadcast Agro o diretor de Sustentabilidade e Comunicação Corporativa da Marfrig, Paulo Pianez. “A ferramenta cruza dados e mapas de satélite para que a gente localize áreas mais críticas, onde se concentram tanto as fazendas de cria e recria quanto os fornecedores diretos de gado para a Marfrig”, comenta. “Mapas de risco já existem muitos, mas a grande novidade é justamente localizar a fase mais crítica da pecuária (cria e recria), para que possamos ser mais assertivos e fazer as ações voltadas a esta etapa da cadeia produtiva”, explica Pianez, acrescentando que o compromisso da empresa é “zero desmatamento e transparência”.
Desde 2009, a Marfrig já havia adotado um compromisso, junto ao Greenpeace, para monitorar os chamados “fornecedores diretos” de bovinos – aqueles que entregam o boi para abate. O calcanhar-de-aquiles, porém, sobretudo na Amazônia, e não só para a Marfrig, está em rastrear a origem do gado dos “fornecedores indiretos”, ou seja, aqueles que venderam o bezerro ou o boi magro para o “direto” e, caso viessem de áreas irregulares, acabavam “contaminando” a imagem do frigorífico em relação à sustentabilidade ambiental.
Há uma multiplicidade de variáveis na cadeia produtiva que dificultam esse monitoramento. Fazendas, por exemplo, que só fazem cria (produzem bezerros), outras que adotam apenas a recria (adquirem o bezerro e o mantêm até ele virar boi magro) e, por fim, as propriedades de “engorda”, que compram o boi magro, engordam e vendem para abate. Ou propriedades que adotam duas etapas, ou as três juntas, fora a circulação de gado entre propriedades, independentemente da idade do animal, em operações corriqueiras de compra e venda.
Para “encontrar” todas as fazendas de cria, recria e engorda e seus respectivos riscos – ou seja, se estão ou não em áreas desmatadas ilegalmente, por exemplo – Pianez informa que a Marfrig vai cruzar informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do Laboratório de Geoprocessamento da Universidade de Goiás, os dados de imagens de satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e também mapas do Mapbiomas.
“Com sobreposições e análises de todos esses dados conseguimos identificar onde estão fazendas de cria, recria e engorda e se elas se relacionam com nossos fornecedores”, continua. “É claro que existem sobreposições entre esses criadores (fazendas que têm as três atividades, por exemplo), mas uma vez que a gente conseguir sobrepor todos esses mapas, vamos identificar as áreas mais ‘quentes’ ou críticas sob o ponto de vista socioambiental”, descreve Pianez. Ele conta que a área monitorada fica num raio de 400 a 500 quilômetros de cada planta de abates da Marfrig. “De posse desses dados, vamos pegar as fazendas mais críticas e identificar quem fornece o gado para o nosso fornecedor direto, ou seja, mapear todos os fornecedores que entregam o gado para aquele criador que vende o animal para nós”, descreve.
Pianez informa que o trabalho é complexo, já que lida, só na Amazônia, com 16 mil fornecedores diretos – sendo que para cada direto estimam-se 10 indiretos. “Ou seja, temos um universo de cerca de 160 mil pecuaristas, em todas as fases da cadeia, a serem monitorados.” No Cerrado, onde o Mapa de Mitigação de Riscos também será implementado, a Marfrig conta com cerca de 14 mil fornecedores diretos.
Para conseguir monitorar toda a cadeia, a empresa espera contar também com o auxílio dos criadores que vendem gado para ela, que podem repassar as informações sobre aquisição de bois magros, por exemplo. “O fornecedor direto é o principal elo que a gente precisa e vai engajar, porque a partir dele a gente consegue fazer a identificação dessa cadeia, que é super intrincada.”
Pianez conta que, caso haja alguma ilegalidade em alguma etapa, a ideia não é simplesmente excluir o produtor – só na Amazônia, a Marfrig conta com 3,5 mil pecuaristas vetados a fornecer para ela. “Excluir é algo delicado, já que aquele que deixa de fornecer pra gente vai fornecer para outro frigorífico que aceita comprar o gado de áreas com algum problema ambiental”, explica o executivo. Assim, a ideia é tentar verificar o problema in loco e de alguma maneira contribuir para que aquele produtor que atua na ilegalidade passe a atuar na legalidade, se regularizar ambientalmente e inclusive buscar crédito para que conseguir se tecnificar e, naturalmente, se inserir na cadeia produtiva que age de forma legal. “Num primeiro momento vai existir a suspensão (do fornecimento de animais), mas depois estimular que o problema dele seja resolvido por meio de compromisso formal com órgãos oficiais para sua regularização.”
O executivo comenta que a Marfrig não aceita comprar os animais nem mesmo se o produtor desmatou áreas que legalmente ele podia. “Nossa política é de desmatamento zero, principalmente na Amazônia, a partir do marco legal, de 2008”, reforça.
Os investimentos no novo sistema estão dentro de um aporte maior que vem sendo feito de dez anos para cá na política de garantir o fornecimento de gado fora de áreas desmatadas ilegalmente. “Temos investido nos últimos dez anos R$ 260 milhões em todas as iniciativas nesse sentido”, conta Pianez. “E temos budget para os próximos dez anos de mais R$ 500 milhões, sendo que grande parte disso será empregada nos próximos cinco anos”, continua, e acrescenta: “Só neste ano e no ano que vem, com o Mapa de Mitigação de Riscos e outras políticas dentro do Verde Mais, investiremos em torno de R$ 100 milhões.” (AE)