Estudo inédito da Embrapa aponta que as tendências para a cadeia de carne bovina do país vão exigir melhor gestão do negócio, digitalização e intensificação produtiva por parte dos pecuaristas para que seja alcançado o potencial de incremento de 23% da produção nos próximos oito anos.
As mudanças mais profundas no segmento serão puxadas pelo aumento das exportações, sobretudo para atender à demanda crescente da Ásia, e pela maior exigência de qualidade por parte dos consumidores em geral. Parte desse contexto já foi adiantado pela pandemia e desafia a eficiência dos criadores de gado brasileiros.
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Apesar de promissora, a projeção de o país se consolidar como líder global nesse mercado pode excluir da atividade quase metade dos 1,3 milhão de pecuaristas hoje em atividade. “Vamos ter menos produtores, que serão mais tecnificados e terão maior volume de produção. Quem for pequeno ou se organiza em cooperativas, em associações, em rede, ou não sobreviverá”, afirma o pesquisador e doutor em Economia Elísio Contini.
Para o coordenador do Centro de Inteligência da Carne Bovina da Embrapa Gado de Corte (CiCarne), Guilherme Malafaia, o segmento será comandado por grandes players, que deverão assumir as áreas de quem não acompanhar a modernização, o que pode gerar forte impacto social. “Parcela considerável vai ser excluída da atividade e substituída por fazendas corporativas. Até 2040, cerca de 50% dos produtores devem sair do mercado”, diz.
A produção em escala será um pilar importante no novo contexto produtivo, para barganhar preços na compra de insumos ou na venda do produto final. Outra saída, afirma Malafaia, é apostar na agregação de qualidade na carne e de valor, com a certificação de origem. “Já pensou em carne com selo da Amazônia ou do Pantanal? Apenas 6% do rebanho bovino está em algum programa de qualidade e o espaço para a carne nobre é grande. Existe um potencial enorme”, afirma o coordenador do
CiCarne.
A denominação de origem é uma das dez tendências apontadas pela Embrapa para o futuro da pecuária, no qual o Brasil deve ser megaexportador de carne e de genética. A empresa também aposta na biotecnologia para garantir o melhoramento do rebanho e a redução de custos e de resíduos, com promoção dos bioinsumos. O sucesso da atividade vai estar ligado ao menor uso de pasto e ao investimento em bem-estar animal. E a digitalização vai permear e transformar todos os estágios da cadeia.
Elísio Contini pondera que a atividade precisa ser mais rentável para incentivar o pecuarista a investir nesses processos. Para isso, ele sugere integrar progressivamente a criação de gado com o cultivo de grãos e aproveitar o bom momento da soja e do milho nos mercados mundiais.
“Se integrar com a agricultura, vai dar um pulo em cinco anos”, vislumbra. Ele apoia, por exemplo, incentivos de crédito para que pequenos agricultores possam expandir a produção agrícola com arrendamento de áreas de pastagens degradadas em condições especiais. “Devolverão a terra melhorada ao pecuarista”, acredita ele.
Com a adoção de práticas para recuperação e manejo de pastagens degradadas, bem-estar animal e intensificação da criação com modelos de integração LavouraPecuária (iLP) e Lavoura-Pecuária-Floresta (iLPF), é possível dobrar a média produtiva para 2,4 unidade animal por hectare, diz Guilherme Malafaia.
O Ministério da Agricultura projeta crescimento de 2,1% ao ano na produção de carne bovina e espera que o volume supere 12 milhões toneladas em 2028, incremento de 22,7% em relação a 2018. Quanto às exportações, o aumento deve ser de 3,1% ao ano, para 2,7 milhões de toneladas.
Mas não é só a China que demandará incremento da produção brasileira, já que os grandes concorrentes do país no mercado, Estados Unidos e Austrália, não têm o mesmo potencial, dizem os pesquisadores. Indonésia e até a Índia, que não consome carne bovina, vão puxar o mercado. “Os indianos não têm esse hábito alimentar, mas com aumento da renda vão acabar entrando”, explica Contini. “O crescimento da pecuária está vinculado às exportações, não há outra forma de
crescer”.
A inovação digital, acelerada pelo distanciamento social provocado pela pandemia da covid-19, vai ser uma força disruptiva no horizonte até 2040. Pode ajudar a transformar a cadeia da carne bovina, desde a gestão do negócio na ponta – um dos principais gargalos do setor – até a aproximação com os consumidores em ferramentas de certificação e rastreabilidade, por exemplo.
Mas a digitalização também poderá causar um “apagão” de mão-de-obra. “Será necessário formar e reter profissionais qualificados na pecuária, e isso será um dos maiores desafios”, argumenta Malafaia, que destaca o importante papel da sucessão familiar e da integração de jovens na atividade como forma de superar essas dificuldades.
Outra mudança antecipada pela crise atual é a atenção maior para questões de sanidade, segurança alimentar e sustentabilidade – três pontos que serão benéficos ao Brasil, segundo o coordenador do CiCarne.
“A aposta é de muito desenvolvimento e sucesso para bons gestores. Vamos produzir mais carne em menos área, ocupar cenário importante no mercado internacional e vamos ter pecuária tecnificada, profissional, competitiva e referência global, pelo gigantismo e pela qualidade que vamos empregar”.
(Valor Econômico)