O maior controle exigido por Pequim para evitar uma segunda onda do novo coronavírus começou a afetar os frigoríficos brasileiros. Em um esforço de precaução, o Ministério da Agricultura suspendeu voluntariamente a autorização para o Frigorífico Agra, localizado em Rondonópolis (MT), exportar carne bovina à China. Ontem, a Administração Geral de Alfândegas do país asiático (GACC, na sigla
em inglês) informou publicamente ter recebido a decisão do governo brasileiro.
O temor de outros frigoríficos é que a ocorrência de casos de covid-19 entre funcionários seja suficiente para bloquear mais abatedouros, ainda que não existam evidências de contaminação pela carne.
Na indústria, a decisão do Ministério da Agricultura provocou muita confusão. Enquanto uns encararam a medida como precaução necessária, outros atribuíram a suspensão a uma falha de comunicação entre os dois países.
Do ponto de vista estratégico, o Ministério da Agricultura teria razão para agir de forma voluntária, sustentam fontes do setor. Ao suspender a autorização para o Frigorífico Agra exportar, a Pasta tomou as rédeas do processo, evitando que os chineses vetassem a unidade por conta própria. Sendo assim, o ministério poderá reinserir o abatedouro na lista dos autorizada a vender para a China, afirma uma fonte.
Por outro lado, há quem argumente que a suspensão foi um grande mal-entendido. Conforme uma fonte, a GACC teria se equivocado ao receber informações sobre as medidas adotadas pelo frigorífico. Na semana passada, a unidade foi paralisada temporariamente por decisão da vigilância sanitária local. A parada, que ocorreu após a suspeita de casos de covid-19 entre os funcionários, motivou a testagem de todos os trabalhadores da companhia, o que permitiu que o frigorífico fosse
autorizado a reabrir na segunda-feira.
“Por notícias e interpretações equivocadas, a GACC entendeu que, por causa da parada temporária, a planta teria sido suspensa pelo Ministério da Agricultura ou por iniciativa própria, o que não ocorreu”, afirma uma fonte. O Valor tentou contato com o Agra, mas não conseguiu localizar um porta-voz da empresa.
Procurado, o ministério negou que tenha havido uma falha de comunicação. “Não tem erros. Informamos às autoridades chinesas no domingo que, no momento, o estabelecimento estava suspenso por iniciativa deles para realização de testes nos funcionários, que teve um número de confirmados baixo. O estabelecimento já adotou as medidas necessárias de prevenção e voltou suas atividades. Agora o Ministério da Agricultura está preparando a documentação para solicitar a continuidade de exportação deste estabelecimento para China”, apontou a Pasta, em nota ao Valor.
O pano de fundo para o imbróglio que pôs executivos do setor frigorífico em alerta foi o reaparecimento da covid-19 em Pequim. Autoridades de saúde do país asiático estudam a hipótese de que a contaminação tenha ocorrido por meio de salmão importado. Nesse cenário, a embaixada brasileira em Pequim avisou que, como medida preventiva, o Bureau Municipal para Regulação de Mercado anunciou que reforçaria a inspeção de alimentos frescos e carne congelada.
Conforme o Valor antecipou, o Itamaraty transmitiu aos exportadores de carnes do Brasil, na quarta feira passada, uma mensagem do embaixador do Brasil na China, Paulo Estivallet de Mesquita, alertando que as medidas anunciadas poderiam afetar as exportações.
Na quinta-feira, os exportadores receberam outra mensagem do Itamaraty. No texto, obtido pelo Valor, consta que a “autoridade sanitária chinesa solicita que o Brasil suspenda as exportações de produtos alimentícios cujos estabelecimentos produtores tenham identificado funcionários infectados com a covid-19, em situação que crie risco de contaminação dos alimentos”.
Questionado sobre o pedido chinês, o Ministério da Agricultura informou que o posicionamento da Pasta “está alinhado com o documento da FAO e da OMS, e baseado na nota técnica da Anvisa, que aponta que não há evidência científica da transmissão do covid-19 por alimentos. No momento, estamos atendendo uma solicitação de informações do país importador”.
Procurada, a Associação Brasileira de Proteína Anima (ABPA) também ressaltou “que não há risco de contaminação de alimentos” e frisou que as indústrias adotaram protocolo de prevenção “validado cientificamente pelo Hospital Albert Einstein”. (Valor/BeefPoint)