Fonte: Exame
Numa conferência com investidores na manhã de 6 de junho, o presidente do frigorífico paulista Minerva Foods, Fernando Galletti de Queiroz, de 49 anos, anunciou o passo mais ambicioso em 25 anos da empresa sediada em Barretos, no interior paulista. Por 300 milhões de dólares, o Minerva havia comprado a totalidade da operação de abate em países vizinhos no Mercosul da concorrente J&F, dona da JBS, maior processadora de carnes do mundo e um conglomerado empresarial 17 vezes maior do que o de Queiroz. Estão no pacote cinco unidades de abate na Argentina, mercado em que o Minerva estreia após pelo menos cinco anos de estudos, três frigoríficos no Paraguai, onde já está desde 2008, e um no Uruguai, onde aterrissou há cinco anos.
A aquisição deverá ampliar em 52% a capacidade de abate do Minerva, para 26 000 cabeças de gado ao dia, e o número de abatedouros da empresa de 17 para 26. Até junho de 2018, o faturamento esperado deverá subir 30% em relação ao de 2016, quando teve receitas de 3 bilhões de dólares. “Já queríamos diversificar os negócios na América do Sul, uma região competitiva para a produção de carne bovina e, de quebra, vamos diluir o risco da empresa”, diz Queiroz. “Aproveitamos a oportunidade.” Os acertos na estratégia, especialmente dentro de um setor que passa por uma fase adversa, estão entre os motivos de o Minerva despontar como a melhor empresa do agronegócio brasileiro nesta edição de MELHORES E MAIORES.
O negócio entre Minerva e J&F carrega uma dose de ironia. Até há pouco tempo era a J&F que crescia aceleradamente e entrava em ramos distintos, como celulose e calçados — em boa medida com recursos subsidiados por um BNDES gerido pela lógica de criar “campeões nacionais”.
Agora, o conglomerado da família goiana Batista está em ritmo de saldão: em 31 de julho, anunciou a venda do laticínio Vigor à mexicana Lala por 5,7 bilhões de reais. O motivo é levantar caixa para pagar os 10 bilhões de reais da multa aplicada pelo Ministério Público Federal por crimes como o pagamento de propinas a parlamentares. O movimento do Minerva se dá também enquanto o Marfrig — segundo maior produtor de carnes bovinas do país e que usou o crédito público farto para entrar no abate de aves e suínos e para investir em comida processada — está sobrecarregado de dívidas e, em 2016, teve prejuízo de 180 milhões de dólares.
Já o Minerva seguiu apostando as fichas numa política traçada desde meados dos anos 90, quando ainda se resumia a uma empresa interiorana: crescer com capital próprio ou com crédito a juros de mercado. “Desde o início achávamos que para crescer não basta crédito, é preciso ter pessoas treinadas e controles para uma cadência de expansão sustentável”, diz Queiroz.
Além disso, a empresa resistiu à tentação de mudar o carro-chefe do negócio: a exportação de carne bovina. Atualmente, 60% da receita vem de embarques a mais de 100 países. O resto é dividido entre vendas de um portfólio de 3 000 alimentos — desde carne produzida nos próprios frigoríficos até massas e grãos comprados de outras empresas —, direcionado a uma rede de 60 000 varejistas brasileiros, em especial de pequeno porte, que têm no Minerva um dos principais distribuidores — 12% do faturamento vem daí. Além disso, a empresa processa alimentos como presunto e almôndega para consumo em restaurantes e no ano passado começou a produzir biodiesel.
Ater-se ao que já sabia fazer enquanto os concorrentes disparavam em várias direções feito estouro de boiada teve seu preço: por muito tempo o Minerva foi um mico para os investidores. Em julho de 2007, ao abrir o capital na bolsa de São Paulo, sua ação valia 15 reais em valores ajustados. Em questão de meses, a crise nos Estados Unidos derrubou o valor do papel a 2 reais e a monotonia no negócio não ajudou na recuperação: hoje a cotação gira ao redor de 12 reais.
Em compensação, o foco no abate de gado fez o Minerva ser pioneiro em práticas úteis para estreitar o relacionamento com pecuaristas, como linhas de crédito para financiar a criação e contratos futuros de compra do rebanho com preço acertado previamente. O resultado: mais pecuaristas preferem abater com o Minerva, gerando uma eficiência acima do padrão. Em 2016, os 11 frigoríficos da empresa no Brasil raramente operaram abaixo de 65% da capacidade. “A média do setor foi de 57%”, diz Lygia Pimentel, sócia da consultoria Agrifatto. O bom rendimento colaborou para o Minerva lucrar 79 milhões de dólares em 2016, o triplo da JBS.
Vida espartana
A gestão “pé no chão” do Minerva vem desde 1992, quando os irmãos Antonio, Edivar, Edvair, Ibar, Ismael e Izonel Vilela de Queiroz compraram a massa falida de um frigorífico de Barretos. O negócio era pertinente por complementar o transporte de gado ao abate, uma atividade tocada pelos irmãos desde os anos 50, quando largaram a pequena fazenda da família localizada em Carneirinho, cidade mineira de 9.000 habitantes na divisa com São Paulo e Mato Grosso do Sul, para seguir os estudos em Barretos.
Com duas empresas, a Expresso Barretos e a Frota C, os Queiroz já eram um dos maiores transportadores de gado no Brasil, atividade que segue relevante até hoje na família. “Transportávamos gado gordo para os frigoríficos e gado magro e de cria para os produtores. Portanto, conhecíamos as pontas da cadeia e estávamos capitalizados”, diz Edivar, de 77 anos, presidente do Minerva até 2007, quando cedeu o posto a Fernando, o filho mais velho. As décadas de trato com pecuaristas ajudaram os Queiroz a ver na exportação de carne in natura um filão a ser explorado logo de largada pelo Minerva.
O primeiro embarque da empresa, para Hong Kong, ocorreu em 1994, sob os cuidados de Fernando, então um recém-formado em administração na Fundação Getulio Vargas de São Paulo. Ele havia largado uma carreira na operação de grãos da gigante americana de alimentos Cargill para assumir uma diretoria na empresa da família. Uma vantagem da estratégia foi driblar a informalidade da indústria de carnes no Brasil na época, motivo para a bancarrota dos frigoríficos Anglo e Bordon, os maiores do Brasil nos anos 90.
A estratégia conservadora do Minerva tardou a vingar, mas trouxe resultados consistentes aos Queiroz, uma família reservada, de hábitos espartanos e ainda intimamente ligada ao dia a dia da empresa. Formado em direito e contabilidade, Edivar preside o conselho de administração, do qual fazem parte os irmãos Antonio, de 68 anos, e Ibar, de 73, que também cuida do relacionamento com pecuaristas. Todos moram em Barretos, mas pouco aparecem na vida social da cidade — a exceção é na Festa do Peão local, a maior do país, quando o Minerva costuma montar um rancho para recepcionar clientes e fornecedores.
Nos fins de semana, o passatempo é visitar as fazendas — cada um tem as suas, onde também criam gado. As terras em Carneirinho ainda pertencem à família. Os deslocamentos costumam ser no único avião da empresa, um King Air B-200, ou num Phenom 100 que alugam num consórcio com outras empresas. Se a viagem é ao exterior, normalmente usam voos de carreira. A simplicidade dos Queiroz destoa da ostentação dos irmãos Batista, da J&F, que trocaram o interior de Goiás por residências em bairros nobres de São Paulo e casas luxuosas em Angra dos Reis e Nova York. Para viajar, a família Batista dispõe de dois Phenom 300, um King Air e um Gulfstream G550.
Em conversas com pecuaristas, fica evidente que o estilo de vida dos Queiroz, mais próximo às lidas da fazenda que o dos fundadores dos frigoríficos concorrentes, costuma resultar numa visão favorável à empresa. “No Minerva, o lado do pecuarista costuma ser levado mais em conta na hora da negociação”, diz André Perrone, proprietário do Confinamento Monte Alegre, um dos maiores do país, que manda 30 000 animais ao abate por ano — 20% deles no Minerva.
O estilo reservado da família Queiroz e a estratégia de crescimento sem arroubos não impediram o Minerva de adotar práticas modernas de gestão. No escritório da empresa em São Paulo, a 100 metros da avenida Faria Lima, o coração financeiro da cidade, pelo menos três vezes por semana o comando das equipes de compra de gado, venda de carne, departamento financeiro e de inteligência de mercado se reúne logo no início do expediente. O objetivo? Discutir as medidas a ser tomadas pela empresa frente à variação esperada para o preço do boi gordo, da carne bovina e da cotação do dólar. “É uma reunião igual a que bancos e fundos de investimento realizam para reduzir o risco”, diz o economista Edison Ticle, diretor financeiro do Minerva, que implantou a prática, chamada de “morning call”, ao ingressar na empresa, em 2009, após passagens pelos bancos Safra e Pactual.
“O coração de nossas decisões está nessa ferramenta de gestão”, diz Ticle. A obsessão em evitar as perdas financeiras resulta em investimentos que, quando saem do papel, raramente dão errado. Uma evidência é que a empresa tem um retorno sobre o capital investido mais alto que o das concorrentes: nos últimos 12 meses, o índice foi de 13% no Minerva, ante 5% na JBS e no Marfrig, segundo dados da Economatica.
Os resultados até agora demonstram a solidez do Minerva diante da concorrência, mas a empresa está longe de estar imune aos sucessivos choques sofridos pela indústria da carne no Brasil em 2017. O negócio da família Queiroz saiu ileso das acusações de corrupção de fiscais do Ministério da Agricultura e gerentes de frigoríficos, deflagradas pela Polícia Federal na Operação Carne Fraca, em março. Mas a repercussão do escândalo no exterior e suas consequências posteriores, como o embargo anunciado pelo governo americano à importação da carne brasileira, em junho, afetam especialmente empresas dependentes do comércio exterior, como o Minerva.
No primeiro trimestre de 2017, seu volume de carnes com destino ao mercado externo caiu 6% em relação ao mesmo período do ano passado. A entrada num mercado como o argentino, cujo rebanho produz uma carne com padrão de qualidade reconhecido mundialmente, pode reduzir esse tipo de risco. Mas a expansão pode trazer outras ameaças, como a de engessar uma empresa que conseguiu até agora manter a agilidade por estar concentrada num filão. “O desafio do Minerva é dar o salto certo”, diz Alcides Torres, sócio da Scot, uma consultoria do agronegócio. Para os Queiroz, acostumados com a cautela nos negócios, será um bom aprendizado.