Lygia Pimentel é diretora executiva da Agrifatto
Yago Travagini é economista e consultor da Agrifatto

 

Dados do Indea trazem que, em abr/20, os abates de bovinos no MT atingiram 348,2 mil cabeças, uma queda chamativa de 10% na comparação mensal e de 25% na comparação com o mesmo período de 2019. Isso levou o indicador a alcançar seu menor patamar desde maio/18, mês em que houve a paralisação dos caminhoneiros. O próximo registro mais baixo pode ser notado para o número de abril/17, mês que sucedeu e refletiu os efeitos da Operação Carne Fraca, deflagrada em 17 de março daquele mesmo ano.

O MT é responsável pela maior participação no total de bovinos abatidos no Brasil dentre as UFs. Foram 17,4% do total enviados às unidades processadoras brasileiras em 2019 e, portanto, essa participação conduz a uma alta correlação com o abate total: 98%. Um bom indicador do que o IBGE trará apenas daqui a alguns meses.

Assim, o que o Indea nos diz possui 98% de chances de se refletir nos abates nível Brasil, e toda essa conversa serve para dizer que os abates totais estão caindo.

Basicamente, há dois motivos para isso.

Em primeiro lugar, o mais óbvio: a crise econômica causada pelos efeitos do COVID-19 sobre a circulação de pessoas e, portanto, sobre o poder de compra, faz o consumo migrar e se concentrar em proteínas mais baratas, como os ovos. Aliás, esse ponto merece um destaque à parte. Desde o lockdown em Wuhan, o preço dos ovos no mercado interno brasileiro já subiu 25%. O apetite do brasileiro pela proteína cresceu tanto que foi capaz de derrubar suas exportações ao menor nível desde 2006, queda de mais de 180% se comparado ao mesmo período de 2019.

Em segundo lugar, a disparada dos preços pecuários ocorrida entre outubro e dezembro do ano passado levou à antecipação do abate de parte dos animais, enxugando um pouco mais a oferta agora.

Entretanto, considerando que o período seco está logo aí, o que explica o preço do boi gordo se manter sustentado em meio à demanda menor? Como explicar uma queda de 10% para os abates nos últimos 30 dias contra uma arroba que recuou 3% no MT e apenas 1% em SP (por sinal, notaram o diferencial de base aumentando?)?

Uma parte da resposta está no fato de ainda existir capacidade de suporte residual nas pastagens do Brasil Central, que deve perder seu resto de vigor na segunda metade de maio.

A outra parte é uma combinação entre o apetite chinês e o comportamento explosivo do Dólar.

As exportações brasileiras de carne bovina para a China saltaram de 37 para 52 mil toneladas, um crescimento mensal de 40%. O volume foi excepcional, resultado de pedidos atrasados cujos desembarques ficaram acumulados no mês retrasado e não deve se sustentar em abril (queda moderada esperada). Ainda assim, foi um resultado excepcional. “Mas considerando o total que a gente produz, a China leva apenas uma pequena parte, por isso não é o suficiente para segurar os preços”, você pode dizer.

Isso não é verdade. Para começar, a China teve participação de 34% sobre as exportações brasileiras em março. Ainda não temos o número fechado de abril, mas nossa projeção aponta para 31% de marketshare. A Agrifatto ainda projeta uma produção total de 623 mil toneladas de carne bovina em março/20, o que dá somente à China uma ENORME participação de 8% sobre o consumo de toda a produção brasileira de carne bovina. Se considerarmos todos os clientes internacionais, nosso share exportado em março ficou em quase 25% (ele aumentou, por sinal, pois nossa média histórica gira em torno dos 20%).

Fonte: MDIC/Agrifatto

A queda de 10% sobre os abates significaria uma produção de carne projetada de 561 mil toneladas de carne em abril.

Já sabido que as exportações refletiram a normalização parcial dos desembarques na China, os embarques totais brasileiros recuaram em torno de 7,2% no mês passado. Assim, se nossa projeção estiver correta (e saberemos isso quando os dados oficiais do IBGE foram divulgados), isso significa que o mercado interno pode ter recuado 11% entre março e abril de 2020, mas os abates em queda e o bom ritmo exportados aliviaram a pressão negativa sobre o preço da arroba ao produtor.

Em uma suposição, caso a China recuasse das exportações, o mercado interno teria que absorver algo entre 43 e 47 mil toneladas adicionais, um crescimento de mais ou menos 25% sobre o consumo tupiniquim, algo impensável neste momento, o que geraria um ajuste produtivo mais intenso e inviabilizaria totalmente o suporte que estamos testemunhando neste momento. 

Fonte: Indea/IBGE/Secex/Agrifatto

Junte a esse fator a disparada do Dólar, que mantém o mercado exportador extremamente atraente. Não é à toa que o share exportado tem crescido de maneira ágil.

A Agrifatto calcula que o spread (diferença entre os preços) da carne exportada e a carne comercializada no mercado interno tenha ficado em 65% ao longo de abril/20 contra uma média histórica de 41%. Obviamente há de se considerar os custos da operação exportadora para chegar à margem dessa operação e certamente houve o efeito corrosivo do aumento do frete marítimo durante esse período conturbado, mas mesmo assim, a diferença chama a atenção.

Fonte: MDIC/Agrifatto

Isso responde o motivo pelo qual o ágio do boi China chega a R$ 15,00/@, mesmo diante de um cenário de diferencial de base alargado, o que mantém sustentado também o pagamento pelo boi comum.

Ou seja, estamos diante de duas possibilidades: (1) ou o COVID-19 não afetou em nada o consumo de carne bovina no país (em termos absolutos), o que não pode ser verdade, dado os dados preliminares de abate; ou (2) a pecuária caminhava para um ajuste produtivo forte, que sugere que, sem COVID-19, o boi poderia retornar aos patamares de R$ 220,00/@, pois a demanda continuaria em recuperação, conforme a retomada do crescimento econômico que estava se desenhando, ainda devendo ser somada às exportações aceleradas.

Por isso, a análise claramente sugere que a remuneração da China sobre a carne brasileira mantém o mercado sustentado como um todo, mesmo em período de virada safra/entressafra, enquanto a operação de mercado interno sofre por não participar da remuneração dolarizada. Isso justifica a desaceleração geral dos abates, que é proveniente principalmente de unidades focadas na operação de mercado interno.

Fonte: Indea/Agrifatto

Obviamente, isso mantém um custo operacional médio maior por unidade, em parte compensada pela remuneração da carne exportada para a China. Mas não só de China vive o homem, de modo que o Dólar voando acima de R$ 5,50 (não vou nem escrever a cotação exata pelo risco de ela estar totalmente diferente quando você ler esta análise) torna outros mercados interessantes também.

Portanto, a análise é a seguinte: mercado interno fraco, levando os frigoríficos com esse foco a reduzir a produção onde for possível e necessário. Mas nas plantas de exportação, ainda compensa continuar e manter o foco.

Isso é ótimo pois salva a nossa pele. Por sorte, somos um dos únicos países do mundo com excedente exportador em um momento de estoques globais indo para as cucuias. Entretanto, o humor frágil da China (lembras das renegociações e seus efeitos?) indica que a volatilidade continuará elevada nas próximas semanas e meses, tendência, aliás, que veio para ficar. Em outras palavras, qualquer solavanco vindo do mercado externo poderá mexer fortemente com as cotações do boi gordo, para cima e para baixo. E como surpresas é o que não tem faltado, “prudência e caldo de galinha não fazem mal a ninguém”, já dizia um cliente nosso com 50 anos de vivência de mercado.

De toda forma, vemos as projeções para o segundo semestre com boa dose de otimismo, especialmente considerando a retomada da atividade econômica em nível global e coordenado, que já começou. Vai ser lindo de ver.

Um abraço a todos e até a próxima,

Lygia Pimentel e Yago Travagini